MÃE ESPERA FILHO FORAGIDO ATRAVESSAR PORTA DE CASA


(esse trecho é fruto do processo de escrita em parceria com Lauande Aires -   Grande amigo da Cia Santa Ignorância) 


Justino não tem rumo. Não depois do que fez. Melhor fosse nunca ter sido preso. Na prisão virou monstro de vez. De todos é o mais temido. Conhecido como Bode, o matador. Isso todos me falam. Mas, ele mesmo, nunca me falou. Ao visitá-lo fico na ponta da mesa da sala de visita. Ele, do outro lado, guarda seu olhar mirado para o chão. Eu, também, abaixo a cabeça. Ficamos assim durante trinta infinitos minutos que se perdem em respiração. Estamos um de frente para o outro, forçados a lembrar eternamente quem somos, como dois espelhos que não acham um reflexo mútuo e se repetem, se repetem, um dentro do outro, até se tornarem um ponto indefinido de si mesmo: duas ausências, dois pingados vultos. Pesada meia hora que a custo termina, mas não passa. Nunca passa. Fica aqui na garganta e não desce.

Por fim, entrego-lhe suas provisões que compro com todo salário que tenho. Deixo-as em cima da mesa. Dou-lhe a benção. Ele a recebe. Não consigo encará-lo por muito tempo. Ele também não me cola os olhos nenhum instante. À pena, disfarço o choro que já me arrebenta as entranhas desgastadas... Deixo meu filho na jaula, onde se transforma cada vez mais em bicho de faca em mão armada ... Agora, ele está na iminência de atravessar esta porta. Essa porta... Em que dia será que por ela saiu pela primeira vez para roubar? Que dia será que por ela entrou já tendo o crime praticado? Se pudesse desfazer o tempo como se desfaz uma costura, teria trancado aquela porta que dá para o curso da rua. Desejaria tê-lo castigado em tempo certo. Desejaria ter vivido um tempo costurado correto.


Igor Nascimento
06/07/2014

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