Clovis
era um homem sujo. Não falava nada sem cuspir em seguida no chão, não
andava três metros sem coçar o saco e não falava uma frase que não
contivesse um palavrão. Mau caráter. Um escroque de primeira. Ainda por
cima agiota. Profissão que requer uma ética específica, nada amigável.
Gostava de ver as pessoas pedindo. Deixava que elas implorassem. O que
se obtém das pessoas que estão no fundo do poço é sempre uma surpresa.
São capazes de tudo. A todos concedia o empréstimo, contanto que
estivessem dispostos a aceitar o preço, que iam dos juros a vinte por
cento à humilhação mais execrável.
PEDRO
Seu
Pedro era um desses alcoólatras, crias desgarradas da cirrose, que
andam pelo centro em busca de cachaça. Precisava do álcool como quem
precisa de sangue. Por uma dose estava disposto a tudo, inclusive, a
bater na porta de Clovis e lhe pedir dinheiro. O agiota riu. Sabia que
Pedro não poderia pagar sequer um empréstimo de vinte reais. Pedro
insistiu. Clovis o mandou ir embora. No caso de Pedro nem a humilhação
era a garantia. Aquele sujeito já estava completamente acabado.
ANA
Ana
tinha perdido uma perna num acidente de carro. Andava com ajuda de uma
perna mecânica. Tinha uma vida aparentemente normal. No entanto, o fato
de ser amputada dificultava a aproximação dos rapazes. Ela poderia até
ter seu charme reservado, um traço de beleza diminuto aqui acolá. Mas na
hora da transa sempre era um choque. Ela não poderia ficar com a perna.
Se a tirasse, os parceiros sempre reagiriam negativamente, ficando um
impasse no ar. Clovis, por exemplo, quando viu perna sendo deslocada,
não teve outra reação senão rir. E dali por diante, toda vez que a
encontrava, a chamava de perna de robô.
A PROPOSTA
O
alcoólatra insistia. Todas as vezes que encontrava Clovis, pedia os
malditos cinco reais. Ele respondia que não, como se o alertasse “você
não será capaz de pagar”. Às vezes, apenas sorrindo, meneando a cabeça,
alegava não ter dinheiro. Com seus botões Clovis tentava imaginar até
que ponto Pedro seria capaz de ir em busca do álcool. A força de pensar,
ele achou uma solução, um preço acessível para o viciado. No dia
seguinte ele deu a sua proposta: ele daria os cinco reais, mas o velho
teria que lhe dar o cu.
UM ENCONTRO CASUAL
Era
noite. Ana encontrou Clovis no bar. Sentou-se ao seu lado. Ele já
estava um pouco alterado pela bebida. Ana havia pintado os cabelos.
Arriscara pela primeira vez usar maquiagem. Era praticamente outra
mulher. Clovis, imediatamente, puxou assunto e, sem reconhecer o seu
bode expiatório, a quem chamava de perna de robô, pagou-lhe um drinque.
Eles conversaram a noite toda. Quando o bar se fechava, ele propôs
levá-la ao motel. Ela aceitou veementemente. Mas antes, eles tomariam a
última dose.
O COITO
Pedro
aceitou. Seria enrabado em troca da cachaça. Era escravo do vício e por
ele faria tudo. Disse sim como quem não mais tivesse opção. Foi ao
escritório de Clovis e logo no corredor, abaixou a calças e colocou as
mãos na parede. De certa forma, pensou Clovis, o velho agia com certa
naturalidade. Talvez já tivesse feito isso. Talvez, a fim de que tudo
corresse o mais rápido possível, decidiu facilitar as coisas e ser
prático. Para Clovis nada interessava. Ele não hesitou também em abrir o
zíper de sua calça e de cuspir em seu falo para que a penetração
ocorresse sem dificuldade.
O CHOQUE
Quando
entrou no carro Clovis já se sentia estranho. Percebia a voz pastosa.
Não conseguia enfiar a chave na ignição. O corpo parecia pesar uma
tonelada. Aos poucos, perdia a coordenação motora. Sentada, no banco de
passageiro, Ana o observava. Ele ainda tentou colocar as mãos em seus
seios, mas não conseguiu completar o trajeto. Seu braço, já dormente,
caiu na coxa de Ana e fez um imenso barulho ao se chocar contra a perna
mecânica. O último reflexo de Clovis, antes de sentir completamente o
efeito do boa noite cinderela, foi olhar para Ana com cara de espanto,
balbuciando alguns palavrões até desfalecer de uma vez.
A BORRA DE SANGUE
Ele socava o cu do velho sem pena. Conseguia sentir suas tripas sendo
esmagadas. Via a merda enegrecida manchar seu pênis. Algumas borras de
sangue já apareciam nas fezes. Era um diagnóstico prévio ou de úlcera
hemorrágica ou de cirrose que Clovis ignorava insanamente, metendo cada
vez mais forte, insistentemente, perguntando ao velho se ele gostava de
ser enrabado. O velho respondia gemendo, como se soltasse pequenos
balidos quase imperceptíveis. Um cheiro insuportável ficou suspenso no
ar. Uma atmosfera nefanda se instalou. Clovis estava decido a não acabar
aquilo tão cedo. Iria até o fim. Iria até gozar.
NO MOTEL
Ele
acorda. Ainda está atordoado. Clovis percebe que está amarrado na cama,
deitado de bruços. Ele olha pelo espelho o reflexo de Ana, que se
encontra atrás dele, com a perna mecânica na mão. Sua reação é pedir
desculpas insistentemente. Mas Ana está implacável. Com toda força que
possuí, enfia a perna no ânus de Clovis. Está tão decidida, que nem
percebe os gritos do homem. Sem piedade ela enfia a perna quase até o
talo, perguntando a ele quem era a perna de robô. Ela só parou quando
Clovis começou a se tremer. Pela sua boca, escorre sangue. Já não implora
por piedade. Apenas grunhe como um animal sendo sacrificado.
FINAL FELIZ
No
canto do centro da cidade, o velho Pedro cantarola abraçado à sua
garrafa de aguardente. Parecia que nada tinha acontecido. Tudo fora
obliterado no instante em que sorveu o primeiro gole de pinga.
EPÍLOGO
Ana chega em casa. Seu pai, mais uma vez jogado, dormindo, com as mão pendidas para fora do braço do sofá. No chão, na mesma direção dos dedos que gravitavam do ar, uma garrafa de cachaça vazia, desmaiada, em coma alcoólico. Ana passa pela sala, tem mais atenção pela mobília dessarrumada do que pelo próprio pai. Depois de por tudo em ordem, ela passa para cozinha. Tenta comer alguma coisa, mas não consegue: o vômito ainda ecoa pelo esofago. Ela vai em direção ao banheiro, mas hesita. Seus passos se arrastam. O ar que lhe entra pelas narinas pesa nos pulmões como chumbo. Ela se sente sufocada. O coração bate forte a medida em que um suor frio brota de sua fronte. Ela sai de casa para se abraçar com a primeira corrente de vento. Recupera a força e segue caminhando pela rua. Na primeira lata de lixo que vê, ela joga a perna fora e, enfim, respira mais aliviada.
19/10/2011
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