PEGAÇÃO DE BANHEIRO - Tragédia Doméstica


I - O Encontro
O garoto encostado na parede do banheiro do shopping quer sexo. Só isso. Espera um anônimo íntimo. Outro rapaz que topasse entrar, transar e depois seguir o seu rumo. Ele caçava... Seus olhos passeiam de pessoa em pessoa e têm o poder de abrir zíperes. Eles pescam. Jogam anzóis com encaradas profundas e eis que Antônio é fisgado. Dentro de alguns instantes, o box passa de livre para ocupado e calcanhares se acotovelam debaixo da brecha da porta...

II - Às 12h, lá em casa!

Diferente das outras relações, esta não acabou naquele encontro casual. Viraram namoradinhos. Antônio era um garoto muito tímido e muito calado. O charme lhe dava ares de mistério. Era indecifrável, ao contrário de Renato que se revelava como um livro aberto. Apesar das diferenças, o romance juvenil foi criando corpo. Chegou a hora, inclusive, de apresentar o companheiro à família. Não como um amante, obviamente. O jogo não estava claro. Embora a homossexualidade em Renato fosse tão notória como a luz do dia, os pais evitavam abordar o assunto. Sobretudo Roberto, o pai, policial que não admitiria jamais que seu filho fosse gay. Todavia, independente das constrições, eles marcaram o bendito almoço para as 12h deste dia de domingo.

III - Verdade Homeopática

O casal diria que eram amigos de colégio, que se conheciam desde sempre...
- Mas por que você nunca nos falou dele?
Bem, para todos os efeitos, são amigos do clube de xadrez...
-Ah sim...
O intuito dessas pequenas mentiras é dizer a verdade em doses homeopáticas. A mãe sabia que ali tinha alguma armação. Não comentava nada por pudor. O pai desconfiava de tudo de forma velada. Só acreditaria se pegasse os dois, em flagrante, no ato, como os bandidos aos quais dava voz de prisão. 
IV - A Gangorra

A comida está na mesa. Antônio, sempre muito calado, se revela bem à vontade. Chega mesmo a baquear. Fala afetadamente. Um espanto para todos, sobretudo para o patriarca, o dito homem da casa. Isto é uma afronta, um despeito sem cabimento, algo que deveria ser corrigido a tapas e socos ou, no mínimo, ser trabalhado didaticamente através de insultos... Todavia, o papo, como que desesperado para abafar o clima tenso, corre solto na mesa. O pai de Renato olha disfarçadamente o colega do filho. Quer xingá-lo. Bater-lhe na cara até se tornar um homem de fato. Antônio, por seu turno, também olhava Roberto quando este se distraía.  Era um coroa bonito. Cinqüentão metido a machão. Características que o deixavam interessante, sobretudo se estivesse de quatro, gemendo grosso...
Os olhares brincam de gangorra até que esta quebra e trava no meio. Os dois finalmente se encararam...
Antônio pisca sacanamente para Roberto.
Roberto imediatamente virou o rosto como se levasse um susto e de fato levou. Não esperava aquilo, nem imaginava. Ficou sem reação e tão surpreso que não sabia se o garoto de fato piscou ou não, de tão rápido que virou a cara, no reflexo de quem tem a cara cuspida...

V - De pai para filho

Na despedida, ao abraçar Renato, Antônio olhou fixamente para Roberto. Falou ao pé da orelha do filho alguma sacanagem, o premindo contra seu corpo, estendendo o olhar para o pai como se por alguma linha genética a mensagem fosse entregue ao destinatário correto...

VII - A bomba

            No outro dia veio a notícia. “Estão proibidas as visitas desse Antônio nesta casa e não adianta chorar e dizer que não e que não”. O pai foi resoluto, não cabendo recurso. “Se quiser trazer esse Antônio para dentro de casa procure outra casa, vá para um motel qualquer ou para o banheiro da praça, seu viado de merda!”. Um estalo do tapa deu o ponto final para conversa. Fim de papo...

VIII - O amor é uma contradição, principalmente quando não é amor.
           
A interdição abalou o jovem casal. O amor adolescente não era tão forte para superar os contrastes...
- Eu vou me ajeitar...
- Como assim, Renato?
- Não vou mais ser gay...
- Como assim?!
- É isso... Acabou...
IX – O entreato
O tempo passou e rápido. O antigo caçador de banheiro vem, neste instante mesmo, descendo a rua na qual deixou sua mais nova namorada. Uma cena intrigante, no mínimo. Mas isso não é o pior. Para completar, no caminho, nosso herói é assaltado. Com uma arma apontada para cabeça, Renato, depois de tanto esforço de uma tarde de cinema com a pequena, é obrigado a ouvir:
- Passa tudo, viadinho!

X - Quanta sacanagem!

Queria pedir ao pai que matasse aquele filho da puta, ou no mínimo, que lhe emprestasse a arma para que ele mesmo pudesse fazê-lo.  Todavia o policial da família estava de plantão. A mãe tinha saído para igreja. Quando chegou, encontrou a casa vazia. Mas o silêncio completo e revoltante logo se rompeu. Alguma coisa caiu no chão. Será outro bandido? Renato dessa vez não iria se acovardar. Foi procurar o meliante. Pouco ligava se estava armado ou não. Queria esganá-lo nem que fosse com gritos. Seguiu o barulho. Olhou a luz do banheiro acesa e abriu a porta de uma vez... Lá dentro estava seu pai com Antônio, seu ex-namorado, engatados como dois cachorros. Numa fúria irresistível, Renato pego o trinta-e-oito que estava no cinto da calça do policial jogada no chão. Roberto prevê o que vai acontecer e tenta impedir. Tarde demais. Cinco balas são descarregadas no pai. A última atravessou a cabeça de Antônio.
Igor Nascimento

15/06/2009 – 19/07/2015 

Nenhum comentário:

Postar um comentário