CABEÇALHO

Sentado na beirada da cama, começo a me arrumar. Tenho que dar aula 9h. Preciso estar na escola 20 minutos antes. Apresso-me. Tenho tempo, mas não tanto. Levanto. Pego meus sapatos dispersos no quarto. Eles apontam para diferentes direções. Quando cheguei, ontem, cansado, me livrei deles de qualquer jeito. Cuido em deixá-los lado a lado, em estado de tenência. As meias estão lá dentro: emboladas. As roupas que usarei se encontram dispostas em cima da cama. Camisa de botão e calça fazem um esboço mal feito de mim. Ainda tem o relógio, a carteira, as chaves de casa que entram no final da composição. Vestido assim, apto estarei para sair de casa. Mas antes .... Antes ... Paro. Uma memória me vem à cabeça e me arrebata. Lembro que na 1ª série, quando era pequeno, tinha um professor que nos obrigava a preencher todo o cabeçalho antes de qualquer atividade. Eu estudava no COESUFMA. Na testa da folha do caderno escrevia: “COESUFMA – Cooperativa Educacional dos Servidores da Universidade Federal do Maranhão”. Depois, “São Luís, tanto do tanto de não sei tanto” – a data de qualquer dia perdido. Meu nome completo vinha logo depois: “Igor Fernando de Jesus Nascimento”. E, finalmente: “Atividade de Português”. Quando chegava ali, estava exausto... O professor estendia, pelo menos, além do cabeçalho, mais três questões no quadro giz. Eu não escrevia em alta velocidade como ele. Acompanhava-o devagar. Na verdade, mais desenhava as letras do que escrevia. Quando ele perguntava “já copiaram?”, eu ainda estava no final da abreviatura do nome da escola, desenvelopando os nomes que vinham embutidos em cada letra. Que fardo. Como aquele quadro me pesava. Agora, voltando para meu quarto, eu crescido e barbado, vejo tudo aquilo disposto na cama. Os sapatos alinhados no chão, conformados em serem par. O relógio, a carteira, as chaves ... Eu mal coloquei as roupas de baixo e ... e todo aquele traje cotidiano para pôr ... Ainda tem o material de dar aula, a pasta, os livros, o caderno e um monte de coisas. É com muito custo que saio pela porta. Fecho a casa bem fechada e me ponho para fora. É como se me trancasse ali e saísse às pressas, antes de ouvir meus gritos presos lá dentro. Quando dou por mim, estou com o pincel atômico nas mãos. No topo do quadro, escrevo a data e só, sem cabeçalho. Intercalo blablablás com eteceteras ao longo do dia e fim: chego em casa e jogo meus pés de qualquer forma no chão, logo em seguida, me penduro no cabide.    

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